sábado, 17 de julho de 2010

O papel da luta por moradia na conjuntura política do Distrito Federal e comunidades adjacentes

A luta por moradia, um “problema” de todos

Ainda mal curadas as feridas de uma decepcionante Copa do Mundo, e esmiuçadas as tristes condições em que se dará o debate eleitoreiro e a dinâmica de nossas cidades nos meses que virão, nos voltamos novamente à realidade, ao dia dia de nossa população que, após um longo período de luta no início do ano, agora se vê sem horizonte, completamente desagregada, onde os desejos de transformação são aguçados novamente mas com interesses escusos, propagandísticos e eleitoreiros. É sabido que a força da transformação está no engajamento, na vontade de lutar e no comprometimento da população com as questões que lhes dizem respeito. Só assim a população de baixa renda obtém conquistas. Em alguns pontos, é mais simples lutar e as conquistas vêm de forma mais fácil. Em outros, como a questão da moradia, é muito difícil reverter a conjuntura política e atacar o que é justamente o tendão de Aquiles da política de governo há décadas no Planalto Central. Estas breves palavras que aqui se seguem buscam apontar um novo caminho para todos aqueles que anseiam um processo de transformação em nossa cidade. Não passa de uma pequena e simples introdução para um problema, cuja solução só pode ser percebida no frio dos acampamentos, nos gritos das marchas e no levantar de paredes que um dia serão o lar de uma família feliz.

O controle da terra como instrumento de poder dos sucessivos governos no DF

Brasília tem características únicas no que diz respeito à questão fundiária. Talvez seja um dos lugares onde mais se dá este fenômeno onde quem obtém o controle das terras, controla a cidade. Sucessivos governos utilizaram desta estratégia nas duas últimas décadas. No últimos governos o controle da terra se deu por meio da grilagem, oferecendo lotes às populações do Norte e Nordeste, criando enormes bolsões de pobreza onde reina o abandono e, mesmo assim, uma lealdade quase inabalável a estes que ofereceram à população o tão distante sonho da moradia própria. Repetir esta façanha eleitoreira vem sendo a menina dos olhos de todo político do DF desde então.
A prática da grilagem nunca parou, e o vergonhoso braço corporativo desta classe de corruptos (Terracap) vem se esforçando ao máximo para que este processo nunca cesse. Atualmente, em uma tentativa de maquiar este fenômeno, eles oferecem bairros inteiros a determinados segmentos e categorias de trabalhadores de seu interesse, além de licitações fraudulentas, despejos de comunidades inteiras e o (des)controle corrupto da fiscalização, tornando esta gestão da Terracap a mais lucrativa desde a sua criação (1 Bilhão e 469 Milhões de reais de lucro desde 2007 até o início de 2010) e agravando criticamente a situação da população de baixa renda, que não tem acesso à moradia na cidade da especulação imobiliária.

Brasília, a Meca da Especulação

Utilizando de uma estratégia ainda mais prejudicial à população, a política que o Estado iniciou quando colocou Arruda e PaulOOctávio no Buriti elevou Brasília ao título de “Meca da Especulação Imobiliária”, onde uma quitinete de 80m² chega a custar meio milhão de reais no Setor Noroeste. O alinhamento com o neoliberalismo e o grande capital estrangeiro fez com que Brasília se transformasse em um grande canteiro de obras, a um custo ambiental que ainda é impossível de se medir, mas podemos comparar a Terracap, para os brasilienses, com a British Petroleum no Golfo do México, acabando com as nossas reservas de cerrado nativo, destruindo os locais de nascente e recarga hídrica, saturando a capacidade de abastecimento de água, tornando a locomoção e o direito à cidade insustentáveis, além da grande violência contra a cultura e a crença dos povos originários do cerrado e da população de baixa renda, que dele sobrevive.
Nem mesmo os programas federais são capazes de frear a especulação aqui, pelo contrário. O que foi percebido é que, após o surgimento do programa “Minha casa, minha vida”, o valor da moradia nas comunidades do entorno subiu entre 7 e 9 por cento. Ou seja, mais uma vez está claro que não existe um programa habitacional sério voltado a resolver o problema da moradia para a população de baixa renda. E neste cenário, que papel temos nós, enquanto lutadores sociais e pessoas comprometidas com a luta dos povos por sua libertação? Será que a nós bastaria que o “Minha casa, minha vida” tivesse melhor condições de financiamento e, quiçá algum mecanismo de controle dos preços? É importante termos claro que só a luta muda a vida, portanto, devemos compreender que para a população de baixa renda, a única opção que lhes resta é “Minha casa, minha LUTA”.

O fascismo para conter o motor da história

A polícia militar do DF é conhecida mundialmente pela truculência, pelo descontrole e os sucessivos desrespeitos aos direitos humanos da população, seja de baixa renda, seja de classe média indignada com a corrupção. Os fatos que correram o mundo da Batalha do Buriti, além de outros que se seguiram, são apenas mais uma amostra disso. Mas a luta nas comunidades economicamente mais pobres é ainda mais dura (vide: O Ato em Defesa da Cana do Reino, no Youtube). Em junho de 2009, a Via Estrutural foi fechada e a Vila Estrutural sitiada pela polícia, que cortou o fornecimento de energia e instaurou lei marcial na comunidade, com agressões, abusos e claras violações dos Direitos Humanos. Este sonho dantesco ocorreu pura e simplesmente pelo fato da população ter resolvido pôr-se de pé para reivindicar o seu direito inalienável a moradia digna e universal.
Embora estes exemplos de brutalidade assustem, sabemos que é só através de muita luta que teremos uma sociedade justa socialmente, portanto, é nosso dever apoiar as iniciativas que surjam neste sentido sempre que for necessário. Enquanto não compreendermos a questão da luta por moradia como um problema de todos, sempre estaremos sozinhos quando decidirmos clamar uma nova forma de fazer política, com prisão para os corruptos, ou uma cidade ecosustentável, ou o “direito à cidade”. O que devemos fazer é juntarmos todas estas demandas, transformando o DF e territórios adjacentes em uma região onde é respeitado o direito à moradia ambiental, com condições dignas de educação emancipadora, transporte digno, acesso à saúde universal, acesso à cultura e apoio a todas as formas de organização e empoderamento popular.

Novos horizontes

É chegado o momento da população da região central de Brasília aproveitar a oportunidade deste chamado para juntar-se à luta por moradia. O período eleitoral é extremamente desagregador, mas por todo o DF e entorno vão se desenvolvendo iniciativas no sentido de garantir moradia para a população de baixa-renda, através da luta não-institucional, não-cooptada, não-eleitoreira. Temos a oportunidade, através destas lutas nas comunidades, de transformar este período tão desagregador e pobre politicamente em um período de muita luta, onde as conquistas virão independente do seu título de eleitor, independente do quanto foi gasto em publicidade, ou quantos acordos políticos você consegue fazer pelo tamanho de sua base. A força da transformação está na mobilização popular, portanto, mãos à obra. A luta por moradia ainda tem muitos capítulos a serem escritos, entre os quais estes dias vindouros terão um papel determinante. Esperamos contar com a ajuda de todos vocês, trabalhadoras e trabalhadores, estudantes, cidadãos indignados, inquilinos de aluguel, moradores de puxadinhos, assentados, jovens com o sonho de constituir família, enfim, todas as pessoas comprometidas em fazer desta Terra a Pátria do ser humano.
Muita atenção aos próximos dias, que podem marcar o início de uma nova fase na luta social do DF.
Um forte abraço de luta.

Thiago Ávila
Assembléia Popular

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